segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Cheira bem... cheira a Lisboa!»

"Cheira bem... cheira a Lisboa", popular canção alfacinha entoada habitualmente nas marchas populares de Santo António que dão um colorido diferente à capital portuguesa todos os anos durante o mês de junho foi igualmente interpretada durante anos a fio nos pavilhões lusitanos onde atuava aquele que é considerado por muitos como o maior basquetebolista português de todos os tempos: Carlos Lisboa. "Cheira bem... cheira a Lisboa" era pois uma espécie de tributo a um homem que após a sua entrada em cena catapultou o basket lusitano para níveis nunca dantes alcançados, níveis não só de espetacularidade mas sobretudo de interpretação técnico-tática de uma modalidade cujo número de entusiastas e praticantes em Portugal aumentou, e de que maneira, após a sua chegada às quadras.

Carlos Humberto Lehmann de Almeida Benholiel Lisboa Santos, de seu nome completo, nasceu a 23 de julho de 1958 na Cidade da Praia, em Cabo Verde, na época colónia portuguesa, tendo aos três anos de idade mudado para outra das colónias africanas que por aqueles dias estavam sob a tutela de Portugal, neste caso Moçambique. Ali, o jovem Carlos travou conhecimento com aquela que viria a ser uma das grandes paixões da sua vida, o basquetebol. Reza a lenda que enquanto criança dormia com uma bola de basquetebol debaixo da sua cama, sendo que todos os dias a primeira ação que fazia assim que acordava era pegar no referido esférico e batê-lo no chão do seu quarto.
Iniciou a sua carreira desportiva no Sporting de Lourenço Marques, onde alinhou nos escalões de iniciados e juvenis. Até que em finais de 1974, após a independência das colónias lusas em África, Carlos Lisboa chega a Portugal (continental) na companhia dos seus familiares, onde prossegue o seu sonho nos juvenis do Benfica, clube onde anos mais tarde haveria de se tornar numa lenda, mas que nesta primeira passagem não permaneceu mais do que uma temporada, deixando o emblema encarnado com algum descontentamento por alegadamente ser pouco utilizado.
Mudou de clube mas não de cidade, permanecendo em Lisboa, mudando-se de armas e bagagens para o grande rival dos benfiquistas, o Sporting. Uma decisão muito influenciada por Mário Albuquerque, na época treinador da equipa de juniores leonina, e além do mais grande ídolo de infância do jovem Carlos Lisboa. Sem demoras os responsáveis sportinguistas reconheceram o enorme talento de Lisboa, não sendo de estranhar que ainda com idade de júnior (18 anos) fizesse a sua estreia no combinado sénior do Sporting! Na primeira temporada (76/77) de leão ao peito na elite do basket português Lisboa não venceu qualquer título, mas mostrou os atributos que viriam a fazer dele a maior estrela de todos os tempos desta modalidade em Portugal: rapidez, técnica, e um poder notável de concretização (em especial atrás da linha dos três pontos).

Os primeiros rugidos do leão Carlos

Na época seguinte não só confirmou a sua mestria como venceu os seus primeiros títulos oficiais de leão ao peito. Foi uma das peças fundamentais na conquista da dobradinha de 77/78, isto é, vitória no campeonato nacional e na Taça de Portugal, e ainda mais fundamental viria a ser nos anos seguintes, tornando-se desde logo na grande estrela do basquetebol do Sporting. Voltaria a vencer o título máximo do basket lusitano (o campeonato nacional) ao serviço do clube de Alvalade em mais duas ocasiões, 80/81, e 81/82, assim como uma segunda Taça de Portugal (em 79/80). Este seria sem dúvida o período áureo do basquetebol do Sporting, e muito devido ao contributo de Carlos Lisboa, a quem a Direção dos leões atribuíra em 1981 o Prémio Stromp, o mais alto galardão para atletas de alta competição dentro do clube.

Após este período dourado o base (a posição onde atuava preferencialmente) viu-se obrigado a mudar de ares, face à decisão do Sporting terminar com a sua secção de basquetebol, que tanta glória havia trazido ao clube durante a década de 80!

O já célebre atleta continuou então na Grande Área Metropolitana de Lisboa, optando pelo Queluz para dar continuidade à sua já brilhante carreira, tendo na altura recusado ofertas de clubes de outra dimensão, caso do FC Porto. E no clube do Concelho de Sintra a estreia não poderia ter sido melhor. Por si comandado o pequeno emblema sintrense arrecadou em 82/83 o primeiro título da sua história, a Taça de Portugal, após uma vitória épica - e renhida - na final ante o colosso Benfica por 86-85. Mas o melhor ainda estava para vir. Melhor do que nunca Carlos Lisboa conduziria na temporada seguinte o Queluz a nova coroa de glória, desta feita o título de campeão nacional. Notável.

Rei no Benfica com o sonho da NBA ali tão perto

Ter Lisboa era mais do que ter aquele que na altura era já indiscutivelmente o melhor basquetebolista nacional, era ter a oportunidade de conquistar títulos. E foi em busca de títulos que no verão de 1984 o Benfica fez de tudo para que Carlos Lisboa voltasse a vestir de encarnado. Uma batalha que seria vencida, e traduzida em êxitos imediatos na primeira temporada do basquetebolista ao serviço da equipa principal da Luz, quando venceu o ceptro de campeão nacional 84/85. A estrela de Lisboa brilhava a grande altura, e não terá sido de estranhar que em meados de 1985 tivesse estado muito perto de concretizar o sonho de qualquer basquetebolista à face da terra: jogar na NBA norte-americana, a maior liga do Mundo!

Ao longo de centenas de entrevistas dadas Lisboa recordou na primeira pessoa o momento em que esse sonho nasceu... e morreu logo de seguida: «Um dia recebi uma carta de um treinador norte-americano a manifestar interesse no meu concurso para um projeto de uma equipa que iria entrar na NBA. Na altura, falava-se da introdução de novas ‘franchises’ na Liga. Contudo, por razões que desconheço, o projeto não foi para a frente e o tal alargamento só veio a realizar-se anos mais tarde, com a entrada das equipas de Toronto e Vancouver». Nâo foi para a NBA, é certo, mas continuou por mais uma série de anos a fazer magia nos pavilhões portugueses e internacionais com as cores do Benfica. Dentro de portas ajudou os lisboetas a vencerem um total de 10 campeonatos nacionais (!), sendo sete deles de forma consecutiva - entre 1988 e 1995 -, bem como cinco Taças de Portugal, seis Taças da Liga, e cinco Supertaças! Palmarés impressionante.

Durante a década de 90 Lisboa fez do Benfica a melhor equipa de todos os tempos do basquetebol português, um autêntico dream team (equipa de sonho), onde era secundado por estrelas como Pedro Miguel, Henrique Vieira, Carlos Seixas, Steve Rocha, Mike Plowden, ou Jean Jacques. Ver aquele Benfica a jogar era ver não só o melhor basket que se jogava em Portugal como um dos melhores de toda a Europa, e a prova disso é que em diversas épocas o Benfica ombreou de igual para igual, sim, de igual para igual, com algumas das melhores equipas europeias de então, casos do Real Madrid, Partizan, Panathinaikos, Maccabi Tel-Aviv, Juventud Badalona, entre muitas outras que passaram pela Luz em épicos e memoráveis confrontos a contrar para a desaparecida Taça dos Campeões Europeus (mais tarde rebatizada como Euroliga). Nesses jogos europeus Carlos Lisboa como se transfigurava, levava o seu talento aos extremos, e consequentemente o público afeto ao seu clube ao delírio, em especial quando "aplicava" os seus quase infalíveis "tiros" de três pontos. Ao serviço da seleção nacional esteve em 103 encontros (43 dos quais pela equipa principal).

Colocou com ponto final na sua lendária carreira em 1996, mas sem dizer adeus à modalidade que o havia tornado célebre e que ele também havia tornado popular em terras lusitanas. Abraçou a carreira de treinador, primeiro no Estoril Basket, onde esteve durante uma temporada, até que em 96/97 volta ao seu Benfica para tentar, agora como treinador, repetir os êxitos alcançados não muitos anos antes. Não foi tão feliz, é certo, nos três anos em que ali ficou, acabando posteriormente por ingressar no Aveiro Basket em 2001, emblema nortenho que representou até 2004. E foi então que mais uma vez não resistiu aos apelos do coração, voltando de novo ao Benfica, desta feita para desempenhar as funções de diretor desportivo das modalidades ditas "amadoras".

Em 2011/12 foi desafiado a voltar ao terreno de jogo, isto é, treinar a principal equipa benfiquista no assalto a um título nacional que fugia já há longos anos para o rival FC Porto. E no regresso ao banco de treinador Lisboa não poderia ter sido mais feliz, já que viria a conduzir os lisboetas ao título de campeão nacional, conquistado no derradeiro jogo da final em pleno reduto do... FC Porto! Conquista memorável e saborosa, sem dúvida, para um homem que depois do futebolista Eusébio da Silva Ferreira é considerado como a grande figura do Sport Lisboa e Benfica. De tal modo que após o seu abandono enquanto atleta o Benfica decidiu retirar a mágica camisola número 7 da sua equipa de basquetebol, pendurando-a no teto do pavilhão, em sinal de homenagem perpétua ao "senhor basquetebol português".

Vídeo: Alguns lances de Carlos Lisboa

Legenda das fotografias:
1-Carlos Lisboa
2-Defendendo o Sporting
3-Atuando pelo Benfica 

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