terça-feira, 19 de junho de 2012

A façanha olímpica dos irmãos Bello


País de tradições marítimas Portugal cedo abraçou a prática da vela enquanto modalidade desportiva. A História aponta para meados de 1850 como o ano em que sob a influência da colónia britânica radicada no nosso país a modalidade viu a luz do dia em águas lusitanas. Dai para a frente a vela tornou-se popular por estas bandas, sobretudo entre os membros das classes mais abastadas do país, tendo a baía de Cascais como cenário predileto para o seu desenvolvimento.

Com o passar dos tempos o aperfeiçoamento técnico da modalidade interpretado pelos velejadores portugueses foi sendo cada vez mais notório tanto a nível nacional como internacional. E neste último capítulo a primeira página de ouro escrita pela vela portuguesa foi dada talvez em 1948, no seio do maior evento desportivo do planeta, os Jogos Olímpicos, que nesse ano decorreram em Londres. Vela que juntamente com o remo, o tiro, a esgrima, a natação, o hipismo, e o atletismo foi uma das modalidades representadas pela delegação portuguesa nas Olimpíadas londrinas. E entre os velejadores lusitanos figuravam dois notáveis intérpretes da modalidade, os irmãos Bello, Fernando e Duarte.

Ambos nasceram em Lourenço Marques, em Moçambique, tendo Duarte vindo ao Mundo a 26 de julho de 1921, ao passo que o seu irmão Fernando tem 1 de setembro de 1924 como a data do seu nascimento. Descendentes de uma família ligada ao mar, o avô de ambos dirigia uma carreira de barcos à vela, cedo se deixaram fascinar pelos barcos. Dos dois irmãos, Duarte Bello foi talvez o mais talentoso na prática da modalidade. Reza a história que aos 15 anos não tinha adversários à sua altura em Portugal, demonstrando uma coragem ímpar para enfrentar os ventos fortes que sopravam sobre os mares lusitanos. Nos tempos de universitário - viria a formar-se em engenharia - notabilizou-se na classe lusito, sendo que por volta de 1940 convence o seu pai a comprar um barco classe star com o qual alcançou grandes êxitos nacionais e internacionais.

Mas seria na classe swallow que atingiria o "topo do Mundo", precisamente nesses Jogos Olímpicos de 1948. Em Torquay, a cerca de 300 km de Londres, Duarte Bello e o seu irmão Fernando entraram definitivamente para a história do desporto português na sequência da conquista da medalha de prata dessa competição. A primeira medalha de prata olímpica conquistada por Portugal, um facto que tornou ainda mais célebre e imortal o feito da dupla lusitana. Aspeto curioso nesta epopeia reside no facto de o barco utilizado pelos irmãos Bello na regata que levaria à conquista da prata ter sido emprestado! Simphony era o nome do barco com o qual os dois portugueses ficaram a apenas 11 segundo do ouro olímpico, arrecadado pela dupla inglesa composta por David Bond e Stuwart Morris.

Os irmãos Bello tentariam repetir a façanha protagonizada em Londres nas Olimpíadas seguintes, embora sem o sucesso pretendido. Em 1952, nos Jogos de Helsínquia, foram 4ºs, posição esta repetida pelo irmão mais velho dos Bello quatro anos mais tarde em Melbourne, desta feita na classe star. Os irmãos Bello voltariam a competir juntos nos Jogos de 1960, ocorridos em Roma, não indo contudo além de um modesto 16º lugar na classe 5,5 metros. A última presença de ambos no maior evento desportivo global seria em 1964, em Tóquio, onde atingiriam um 9º lugar na classe star.

O vasto currículo dos Bello na vela desportiva não se restringe às participações olímpicas, muito pelo contrário, sendo que Duarte - que juntamente com Henrique Calado (hipismo), é o atleta luso que mais vezes esteve presente nos Jogos Olímpicos, 5 no total - conquistaria uma medalha de ouro no Campeonato da Europa de 1962, 5 medalhas de prata em outros tantos campeonatos da Europa (1950, 1953, 1954, 1956, e 1957), 2 medalhas de prata em campeonatos do Mundo (1953, e 1962), e uma medalha de bronze no Campeonato do Mundo de 1952. Em termos nacionais venceu 8 campeonatos nacionais (1941, 1947, 1953, 1959, 1961, 1962, 1964, e 1965). Conquistas estas alcançadas na classe star.

Já o seu irmão foi medalha de ouro no Campeonato do Mundo de 1953 (na classe snipe), medalha de ouro no Campeonato da Europa de 1962 (classe star), medalha de prata no Campeonato do Mundo de 1962 (também na classe star), e consagrou-se por 10 ocasiões campeão nacional na classe star (1941, 1944, 1947, 1949, 1959, 1961, 1962, 1963, 1964, e 1965).

(Nota: Na imagem pode ver-se os irmãos Bello após a conquista da medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Efemérides (2)...

 O primeiro combate de boxe em Portugal

Aproveitando a visita virtual à maior lenda do boxe português (José Santa Camarão) viajamos a bordo da Máquina do Tempo até 1909, ano que é apontado pelos historiadores ligados ao fenómeno desportivo como aquele em que pela primeira vez foi realizado um combate em Portugal.
Um facto ocorrido no dia 4 de junho do longínquo ano, altura em que o Campo Pequeno (em Lisboa) acolheu o combate entre o norte-americano Sam MacVea, um dos melhores do planeta daquela altura, e o irlandês Drumond, pugilista que foi posto fora de combate ao oitavo assalto.

O gentil gigante do boxe português

Ovar, bela localidade vareira localizada no centro-norte do nosso Portugal, famosa entre as gentes lusitanas pelo seu animado carnaval e pelo delicioso pão-de-ló. Para muitos estas são as duas maravilhas desta ilustre cidade. Mas como diz o velho ditado "não há duas sem três", e também Ovar possui uma terceira maravilha que constitui um dos grandes tesouros do desporto lusitano.

Aqui nasceu José Santa, ou melhor Santa Camarão, a maior lenda do boxe português cuja estrela brilhou nos maiores ringues da Europa e da América nas décadas de 20 e 30 do século XX. José Soares Santa, de seu nome completo, veio ao Mundo no dia de Natal de 1902, numa modesta casa da Rua Visconde de Ovar, filho de um fragateiro (António Soares Santa) e de uma padeira (Josefa Pereira dos Santos), e desde o seu primeiro minuto de vida atraiu até si focos de atenção. Reza a lenda que José Santa nasceu com um tamanho deveras invulgar, afigurando-se como um pequeno gigante, o que terá provocado uma autêntica romaria por parte dos vizinhos a sua casa para verem aquele "pequeno grande" fenómeno da natureza.

Ao lado de sua mãe viveu na sua terra natal até aos 11 anos de idade, altura em que o pai o chama para Lisboa para junto dele iniciar o ofício de fragateiro. Tratado carinhosamente por camarãozinho - dado que Camarão era a alcunha de seu pai - pelos colegas mais velhos que consigo trabalhavam arduamente nas docas do Tejo, José Santa tornou-se com o passar dos anos num verdadeiro gigante. Do alto dos seus 2,06m (!) e dos seus maciços 120 kg (!!!) Santa travou aos 19 anos de idade conhecimento com a arte que viria a ser o seu passaporte para o estrelato internacional: o boxe. Corria o ano de 1921 quando um certo dia o lutador Manuel Grilo apercebendo-se do autêntico diamante em bruto que ali estava o convenceu a participar num combate no Coliseu dos Recreios.

O casamento entre José Santa e o boxe deu-se algum tempo mais tarde, no Porto, altura em que Alexandre Cal (figura ligada ao mundo da luta) o convenceu em definitivo a calçar as luvas de uma forma mais séria. E seria dessa forma que nesse ano de 1921 derrotaria Joaquim Branco no Palácio de Cristal, tendo a partir dai o nome de Santa Camarão - pelo qual se apresentou em ringue - saltado para as páginas dos jornais e consequentemente para as bocas do povo. Dali ao sucesso o caminho não foi muito longo já que em 1925 José Santa era já campeão de Portugal em todas as categorias (!). Nesse ano específico teve agendados 19 combates, tendo vencido 17, perdido apenas um (por pontos), e visto outro ser anulado. Graças a este impressionante cartão de visita partiu para o Brasil onde durante 3 anos fez fortuna graças ao boxe.

Regressaria a Portugal em 1929 com um currículo de vitórias maior do que aquele que tinha conseguido quando havia partido para "terras de Vera Cruz" em 1926. E no regresso à pátria Santa Camarão derrotaria grandes boxeurs internacionais, casos de Humbeeck e Barrick. Nesse mesmo ano esteve a um curto passo de derrotar o belga Charles, nada mais nada menos do que o campeão da Europa em título, que só levaria a melhor sobre Santa Camarão no desempate por pontos. De 1925 a 1929 contabilizou 38 combates, tendo ganho 31, perdido somente 5 (aos pontos), e visto outros 2 serem anulados. Notável!

Ídolo na América

Perante isto Portugal e a Europa eram já demasiado pequenos para o talento de Santa, e no início da década de 30 emigrou para o país onde o boxe é "rei", os Estados Unidos da América. Ali lutou de igual para igual com os melhores do Mundo. Os seus punhos de ferro tornariam-no num ídolo dos ringues norte-americanos, levando a imprensa daquele país onde o boxe desperta paixões arrebatadoras a compara-lo a um arranha-céus, a um Sansão! Como já dissemos durante a sua estadia na América do Norte Santa Camarão lutou com os melhores, como Primo Carnera ou Max Schmeling, último pugilista este que haveria de se consagrar campeão do Mundo. Atuou nos melhores palcos do boxe norte-americano, caso do mediático Madison Square Garden, de Nova Iorque.

Título mundial que podia muito bem ter sido ganho por Santa Camarão, como muita da imprensa da época fazia questão de timbrar nos jornais, já que arte para o conseguir não lhe faltava. Não calhou, disseram na altura muitos dos que o viram em ação. Com o alemão Max Schmeling teve uma incursão no cinema, participante nos filmes Amor ou Ringue e O Boxeur e a Mulher, desempenhos que lhe valeriam mais tarde um convite para ir para Hollywood encetar uma carreira de ator, hipótese que José Santa nunca sequer considerou, até porque da América estava ele farto, além de que as saudades do seu país, e em concreto da sua terra natal, falavam já mais alto do que tudo.

Cansado das lutas regressa então em 1934, e consigo traz Mary Loreta, a mulher que conhecerá nos Estados Unidos e com quem por lá se casou. Já em Portugal nasceria o seu único filho, de nome Arnaldo de Oliveira Santa, que anos mais tarde partiu para os Estados Unidos com sua mãe após a separação desta com Santa Camarão. E em Ovar o herói do boxe lusitano viveu até ao fim dos seus dias, gozando dos rendimentos que obtivera em terras americanas, que lhe haviam permitido fazer alguns investimentos, como a compra de alguns imóveis que posteriormente viria a arrendar.

Olhado como um Deus pelas gentes da sua terra - e não só - José Santa foi sempre um modelo de homem humilde, sempre gentil e bondoso para com o seu semelhante, qualidades reconhecidas por todos os que privaram com ele até ao dia 5 de abril de 1968, dia em que travou o seu último combate, o combate com a vida, o qual viria a perder.

Vídeo: Cena do filme Amor ou Ringue, onde Santa Camarão luta com Max Schmeling