quinta-feira, 28 de março de 2013

O "doutor" das damas lusitanas

Modalidade de cariz intlectual, o jogo das damas tem - em Portugal - atraído a si um elevado número de praticantes, que nas décadas mais recentes colocaram este jogo de tabuleiro em altos patamares de popularidade. Têm sido pois muitas as competições ocorridas em solo lusitano, onde largas dezenas de jogadores vindos dos quatro cantos do país travam entre si emocionantes e intensos duelos, mas um desses damistas tem-se destacado entre os demais.  
No mundo das damas é tratado por “doutor”, uma designação que o próprio desconhece a razão de existir, mas que ao olharmos de relance para o seu rico e extenso palmarés se fica facilmente a perceber o porquê da atribuição de um título tão pomposo. Vaz Vieira, ou melhor, “doutor” Vaz Vieira, assim é que é, considerado de forma unânime no “planeta” das damas como o melhor jogador português de todos os tempos. Com ele cruzei-me há tempos num dos muitos opens que já leva na sua longa e gloriosa carreira, e numa breve troca de palavras pude ficar a conhecer ao pormenor o historial desta lenda - já ganhou por direito próprio esse estatuto - nascida há 69 anos (no ano de 1943) em Guimarães, mas que de há umas décadas a esta parte faz de Coimbra o seu lar. 

No desfiar da nossa conversa recordou o passado, o seu passado glorioso ao serviço de uma modalidade pela qual se apaixonou ainda menino, numa altura em que os lares portugueses estavam ainda despidos das novas tecnologias – com a televisão e os computadores à cabeça – e como tal os serões em família eram passados com a saudável e alegre disputa de jogos tradicionais, como o rami, o abafa, o xadrez, ou as damas. A modalidade que o tornou célebre foi-lhe apresentada pelo pai, também eles um grande jogador, o pai que o fazia chorar sempre que o vencia, e logo depois o espicaçava com o seu triunfo. Mas como em tudo na vida Vaz Vieira é uma pessoa persistente, foi aprimorando a sua técnica mental de jogo, e chegou a uma altura em que o próprio progenitor já não o vencia. 

Ainda deambulando pelo passado viajou até Moçambique, onde viveu grande parte da infância, junto dos seus pais, e onde vivenciou outra paixão desportiva, o futebol. Ao serviço do Benfica de Lourenço Marques foi mesmo campeão provincial, tendo mais tarde aquando da sua vinda para a metrópole integrado a equipa de juvenis da Académica de Coimbra, onde foi treinado pelo lendário mestre José Maria Pedroto. Por Coimbra ficou. Estudou na mítica universidade da cidade do Mondego, a mesma universidade onde desenvolveu a sua carreira de docente, e orientador de estágios. Em Coimbra casou, sem nunca esquecer a paixão de infância pelas damas, aliada à paixão entretanto travada com a Briosa.

Nas damas tornou-se então o campeão dos campeões. Ao longo de décadas somou títulos atrás de títulos. 
Venceu 10 campeonatos nacionais seguidos, ao que se seguiu uma paragem de outra dezena de anos por motivos de saúde, e quando voltou novamente à ação foi de novo campeão! Detém um impressionante registo - até à data - de 86 vitórias em opens nacionais, número que nenhum outro damista se atreveu sequer a ameaçar. 
No plano associativo foi um dos fundadores da Federação Portuguesa de Damas, em 1980, onde hoje assume a função de presidente da mesa da Assembleia Geral. Do seu currículo constam ainda dois pomposos títulos de campeão do Mundo de damas clássicas, e muitos outros títulos conquistados em épocas em que a federação ainda não havia visto a luz do dia.

Impressionante, de facto. O segredo deste sucesso? Responde que é o trabalho, aliado ao gosto pela modalidade, de jogar somente pelo prazer, pelo prazer de jogar e não jogar pelo prazer de ganhar. 
Para si as damas são um desporto de grande beleza, nas suas palavras poucos jogos haverão com a beleza deste, capaz de proporcionar combinações fantásticas, um jogo onde se podem construir problemas com muito poucas peças, e problemas com muitas pedras e com dificuldade extrema. 
O fim da carreira ainda bem longe, pois continua enamorado por este jogo, deixando os títulos e as vitórias de lado, até porque há muito que já não é isso que o motiva a continuar.

Vídeo: Mestre Vaz Vieira durante um jogo