terça-feira, 5 de dezembro de 2017

1958: O ano em que o Grande Circo assentou arraiais em Portugal

Caminhamos a grande velocidade para o 60º aniversário da primeira aparição do Grande Circo em terras lusitanas. Facto ocorrido a 24 de agosto de 1958, dia em que a Avenida da Boavista - e artérias circundantes -, no Porto, abriu alas para receber os ases da Fórmula 1. Inserida no calendário da nona temporada do Campeonato do Mundo da modalidade, a prova juntou na Cidade Invicta um naipe alargado de (hoje em dia) lendas das quatro rodas, entre outros o australiano Jack Brabham, os britânicos Stirling Moss, Graham Hill e Mike Hawthorn, ou a italiana Maria Teresa de Filippis, nem mais nem menos do que a primeira senhora a pilotar um monolugar de F1. Olhando à época, quiçá faltou neste verdadeiro leque de estrelas aquele que para muitos era tão só o melhor piloto da altura, pelo menos o mais titulado até então: Juan Manuel Fangio. O astro argentino, que até então contabilizava cinco títulos mundiais, não veio competir ao Porto, tendo participado em apenas dois grandes prémios ao longo de toda a época desportiva, num claro sinal de que estava já a preparar a sua retirada definitiva para as boxes! A ausência de Fangio não foi motivo suficiente para impedir que cerca de 150.000 pessoas se deslocassem ao circuito da Boavista para ver in loco a 9ª prova da temporada de 1958.
A corrida portuguesa - patrocinada pelo Automóvel Clube de Portugal - era a antepenúltima da temporada e apresentava como principal atrativo a luta entre Stirling Moss e Mike Hawthorn pelo título mundial, visto que à chegada ao Porto eram os dois pilotos melhor classificados para suceder a Juan Manuel Fangio no trono da F1. Nota curiosa deste 1º Grande Prémio (GP) de Portugal reside no facto de o primeiro piloto português a conduzir um monolugar ter estado com um pé na corrida, embora à última da hora tenha optado por não pilotar o Maserati 250F. Falamos de Casimiro de Oliveira, o então afamado piloto portuense - irmão do cineasta Manoel de Oliveira - cuja ligação às corridas de automóveis remontava aos anos 30, e que em 1953 testou no circuito de Modena (Itália) um Ferrari F2, entrando assim para a história como o primeiro português a sentar-se num monolugar F1. No Porto, Casimiro de Oliveira ainda realizou uns testes pré-eliminares com o seu Maserati 250F, optando, no entanto, por não entrar em ação, já que, e segundo rezam as crónicas, o facto de não participar em corridas de há três anos àquela data fez com tivesse decidido ficar nas bancadas a assistir ao primeiro GP português.
O acidente de Graham Hill junto ao Café Bela Cruz
Assim, foram 15 os pilotos que se fizeram à estrada para disputar uma corrida que teve um total de 50 voltas - numa distância de 375kms, sendo que o cumprimento do circuito era de 7,5kms, abrangendo não só a Avenida da Boavista como também parte da Estrada da Circunvalação e da Avenida Antunes Guimarães.
Grande candidato à vitória era Stirling Moss, confirmando esse estatuto com a conquista da pole position nas duas sessões de treinos realizadas, logo seguido do seu maior rival na luta pelo ceptro mundial, Mike Hawthorn. A luta entre estes dois pilotos viria a ser emocionante durante as 50 voltas do GP, tendo o Ferrari de Hawthorn assumido o comando da corrida logo à segunda volta, pairando no ar a ideia de que o título poderia ficar ali decidido, junto à paisagem idílica do Atlântico a beijar a Avenida da Boavista e o deslumbrante Castelo do Queijo. Mas não.
Ai vai Moss na liderança da corrida na entrada da Avenida da Boavista
O Vanwall de Moss recuperou terreno, e à sétima voltou à liderança que não mais largou. Não só devido à mestria de Moss, mas de igual modo por culpa do azar que atacou Hawthorn no que restou da corrida. Além dos atrasos nas visitas efetuadas às boxes, este último piloto viu ainda o motor do seu Ferrari ir abaixo na última volta do GP, o que fez com que tivesse a necessidade de fazer uma manobra perigosa e contra as regras para voltar a lutar pelo primeiro posto, facto que levou a organização a equacionar a desclassificação do britânico - algo que não viria a acontecer muito devido ao desportivismo de Moss, que apelou para que o seu principal adversário na luta pelo título continuasse em competição. Contas finais do GP de Portugal de 1958, Stirling Moss subiu então ao lugar mais alto do pódio, com um registo de 2H11M27S, mais cinco minutos que o segundo colocado, precisamente Mike Hawthorn, ao passo que o também britânico Stuart Lewis-Evans fechou o pódio.
Seis foram os pilotos que não chegaram ao final deste GP de Portugal, entre eles o lendário Graham Hill, que à 25ª volta teve um acidente junto ao Café Bela Cruz que o obrigou a abandonar a corrida.
Stirling Moss no momento em que corta a meta do primeiro GP de Portugal em F1
O gesto de fair-play de Moss, ao apelar que Hawthorn não fosse desclassificado do GP de Portugal, e dessa forma não somasse qualquer ponto, viria a ser determinante no desfecho do campeonato, já que este último piloto viria a sagrar-se campeão mundial, sucedendo assim no trono ao lendário Fangio e tornando-se no primeiro britânico a vencer um Mundial de pilotos. Moss, que apesar de ser visto como uma lenda da F1, nunca se sagrou campeão mundial ao longo da sua brilhante carreira, acabou em segundo, de nada valendo a vitória no último GP da temporada, em Marrocos, visto que o abandono em Monza - realizado quinze dias após o GP de Portugal - ditou praticamente que Hawthorn seria o novo campeão do Mundo. Restou a consolação a Stirling Moss de ver a Vanwall sagrar-se campeã mundial de construtores nesse mítico ano de 1958, o ano em que Portugal ouviu pela primeira vez o entusiasmante ruído dos motores da F1.

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